Esquisitices do pós parto que ninguém te conta, mas eu vou te contar para que você não se sinta maluca #4
O puerpério é uma montanha-russa - do tipo que vira de cabeça pra baixo e volta de ré - e eu posso provar:
Esse texto é uma tentativa de dar lugar para as experiências mais esquisitas do puerpério, aquelas que apesar de comuns, carregam culpa, vergonha e por isso são tabu, para que você não se sinta maluca e talvez, possa se sentir um pouco menos sozinha.
A maternidade é solitária. Não só quando falta de apoio, pois é plenamente possível sentir solidão mesmo contando com toda a ajuda do mundo - seria essa a primeira esquisitice? - é solitária pois, é somente você a mãe do seu bebê. As experiências mais insanas da sua maternidade, normalmente, não podem ser totalmente compreendidas pelas pessoas ao seu redor.
A solidão no puerpério se deve, também, em razão das experiências que não conseguimos dar destino. Vivemos essa loucura em silêncio, sofremos em silêncio.
Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.
- Clarice Lispector
Buscando dar lugar às esquisitices do puerpério - aquelas que a gente não conta para ninguém por medo do julgamento, que nos assustam e nos fazem questionar nossa capacidade como mães e até nossa sanidade mental - eu escrevo essa newletter.
Vamos lá:
#01 - Sentir medo do bebê
Você sente medo do bebê. Ele é mole, muito frágil e chora das maneiras mais estridentes e angustiadas possíveis. É desesperador ser a responsável por um ser, cujo choro, você não consegue acalmar ou entender, que mais parece uma bomba relógio, pronto para te inundar de angústia a qualquer momento.
Sabemos o porquê o recém nascido sofre, tudo é novo e difícil para ele, mas o que ninguém conta, é que quem também sente esse desamparo é você, mãe.
Tudo é novo para você, mas diferente do bebê, no seu caso, há a cobrança interna e externa de saber o que fazer. É por isso que as primeiras vezes sozinha com o bebê podem ser aterradoras, e você poderá, inclusive, se perceber evitando ao máximo essa situação.
E não, esse medo não significa que você não gosta do seu bebê. Você é, nesse momento, uma criaturinha frágil e sensível. Uma mãe recém-nascida.
Notas de esperança: A primeira vez que fiquei sozinha com a minha filha, ela tinha 12 dias. Ela chorou tanto que, por desespero, levei-a na pediatra. Lá que descobri que o choro dela era reflexo do meu próprio choro engasgado. Por sorte, fomos acolhidas com ternura, a médica me garantiu que com o tempo, nós - minha filha e eu - nos entenderíamos melhor. Dito e feito.
#02 - Você desaprende a falar com adultos
Sim, como se esquecesse como falar português.
A rotina do bebê é monótona e exaustiva, principalmente nos primeiros meses e apesar da saudade de interagir com outras pessoas, quando isso finalmente acontece - surpresa - a língua enrola e você se vê gaguejando, a mente trava e você não consegue concluir um raciocínio, além de esquecer as palavras. Dizem que durante a gestação e puerpério as mulheres perdem massa cinzenta, parece mesmo que ficamos menos inteligentes.
Nota de esperança: Minha bebê têm 7 meses enquanto escrevo esse texto. Os parafusos soltos vão se encaixar, eu prometo.
Além disso, você perceberá que outros assuntos não te interessam mais, sua mente está totalmente focada no bebê, o que torna difícil pensar ou falar de outra coisa, é como se você vivesse em outra realidade, apartada das outras pessoas. Nisso, muitos vínculos se distanciam e amizades acabam. Como não sentir solidão, não é mesmo?
#03 - Insônia
Para quem passou a gestação inteira ouvindo: “Aproveita dormir agora porque depois você não vai dormir mais”. Nunca imaginou que fosse devido à insônia, né?
O bebê dorme profundamente e você se revira na cama, conseguindo contar quantos minutos ficou de olhos fechados, sem de fato dormir. O sono simplesmente não vêm. A razão para isso é multifatorial; questões hormonais podem ter influência, mas a real é que simplesmente ser mãe já nos deixa hiper estimuladas. E ansiosas. A adrenalina está sempre a mil.
O número infinito de tarefas, o desejo de dar conta, a atenção constante com às necessidades do bebê, a mente materna não desliga mesmo caindo de cansaço. E essa insônia pode causar muita angústia, afinal, você sabe que precisa dormir, pois o dia seguinte será igualmente cansativo, o que te faz entrar em um ciclo de insônia, angústia e mais insônia.
Uma dica maravilhosa que recebi de uma mãe: Nas madrugadas de insônia, ao invés de insistir em dormir, tire um tempo para você. Vá ver uma série, pintar as unhas, curtir o silêncio. Inclusive dessa forma, talvez o sono apareça.
#04 - Pesadelos
Com absoluta certeza, os momentos mais intensos, psiquicamente, para uma mulher são a gestação e o puerpério.
Me lembro de um professor da pós graduação que dizia que se uma mulher não enlouquece durante esse período, ela “não enlouquece mais” - ele queria dar ênfase para o quão insano é esse momento, não leia literalmente - e tudo isso se deve à algo que Winnicott vai nos trazer:
Quando uma mulher torna-se mãe ela vai retomar, psiquicamente, a relação materna que ela teve e o bebê que ela foi. Essas lembranças podem ser agradáveis ou traumáticas, mas são, sem sombra de dúvida, potentes, afinal são experiências muito arcaicas.
E como esse inconsciente, que está trabalhando tão intensamente, se manifestará? Através dos sonhos. Você pode ter percebido o aumento de sonhos perturbadores durante a gestação ou pode ter tido esses sonhos após o parto (que por si só já é uma experiência visceral à parte, se foi cesárea então…). Com a chegada do bebê, adicione todas as inseguranças e medos e voilà, pesadelos todas as noites.
Se o conteúdo desses sonhos estão te deixando muito angustiada - respira - focinho de porco não é tomada. Eu explico:
As cenas que vivenciamos enquanto dormimos são representações dos nossos sentimentos ou de experiências marcantes do passado.
Às vezes sonhamos com coisas horríveis e não significa que aquilo é realidade ou que representa um desejo nosso, são símbolos fortes de vivências fortes - e o puerpério está cheio disso.
Dica: Fazer terapia pode te ajudar a nomear o que está passando interiormente através desses sonhos.
#05 - Pensamentos Catastróficos
Você está responsável por um ser indefeso e extremamente sensível. O mundo ao redor é um risco para ele, como não ver um perigo em cada esquina?
Ás vezes o nosso cuidar, quando está investido de muita insegurança, pode se tornar obsessivo. Não queremos sair de nossas casas por medo de vírus, temos pensamentos intrusivos de ver o bebê se machucando, não deixamos ninguém segurá-lo, limpamos o bebê de forma excessiva ou exageramos nos cuidados com as roupinhas e com a casa, adicionando ainda mais obrigações e cobranças ao nosso dia-a-dia.
Tudo para que o bebê fique protegido. Será? Ou por medo da culpa imensa que iremos sentir se algo acontecer, como se fôssemos responsáveis por absolutamente tudo?
Mãe, você não pode proteger seu bebê do contato com a realidade.
Depois que nascemos, sentiremos calor e frio, ficaremos doentes, iremos nos machucar. Colocar em si mesma esse grau de onipotência é, antes de tudo, ilusório, mas principalmente só te fará sofrer.
#06 - Sentir raiva do bebê
(Alerta de altíssimo grau de tabu)
O ponto mais interessante a respeito da mãe é sua capacidade de ser tão agredida pelo bebê e de sentir tanto ódio por ele sem, no entanto, fazê-lo pagar por isso, e sua aptidão para esperar recompensas futuras, que podem um dia vir ou nunca chegar.
Donald Winnicott em ‘Da pediatria à Psicanálise’
Ah, a franqueza da psicanálise! Que vê a realidade tal como é, e nela existe amor e existe ódio. No senso comum, esses dois sentimentos são vistos como contrários, quando na verdade, são faces da mesma moeda.
Se amamos muito, podemos sim, sentir muita raiva.
Então, sim. A mãe sentirá raiva de seu bebê em determinados momentos e a recíproca também é verdadeira. Winnicott mesmo faz uma lista das razões que levam uma mulher à esse sentimento, vou citar alguns desses itens:
O bebê não é produzido magicamente. (gestar dói e custa muito)
O bebê é um perigo para o corpo da mãe durante a gestação e o parto.
O bebê perturba a vida privada da mãe, constitui um desafio à sua preocupação. (vimos exemplos disso nos itens anteriores)
Ele é impiedoso, trata-a como lixo, uma serva sem pagamento, uma escrava.
Ele tenta machucá-la, volta e meia a morde, e tudo por amor.
Ele se decepciona com ela.
Ele não faz ideia alguma do quanto ela faz por ele, do quanto ela se sacrifica por ele.
E antes que algum insensível ou com pouca capacidade de tolerar a própria hostilidade venha dizer: “Ah, mas pra quê teve filho então?”.
Mães também são seres humanos e o fato de esquecermos disso é um sinal do modo impiedoso que as tratamos. Esperamos delas doação eterna e infinita, sem ao menos pensar que são indivíduos antes de serem mães.
Fiz toda essa introdução antes de entrar no assunto, devido ao ele tabu que carrega.
É comum, no puerpério, sentir raiva do bebê. Você está ali, dando tudo de si, e sentindo que nada é o suficiente. Balançando o bebê por horas durante a madrugada, cansada mental e fisicamente, e o bebê não dorme. Ou esgotando toda a sua criatividade para agradar uma criança que não para de chorar.
Você vai sentir vontade de sair correndo. Você vai se perceber perdendo a paciência. E pobre daquele que está por perto nesses momentos (risos) que irá receber a nossa carga de hostilidade.
E e eu sei, isso te levará a se sentir culpada e a pior pessoa do universo. Mas, ei minha querida, é cansaço falando. Ainda somos feitas de carne e osso, lembra?
O simples fato de tolerarmos tanto desconforto por eles é, na minha concepção, a maior prova de amor possível. É fácil amar quem só nos agrada e não nos propõe desafios à nossa capacidade de amor, de ter paciência e resiliência.
O problema não são nossos sentimentos, mas o tabu que existe sobre a maternidade, que gera culpa, vergonha, isolamento e assim, adoecemos.
#07 - É horrível se olhar no espelho
(E para finalizar, já sabendo que esse post muito provavelmente terá uma segunda parte).
Olhar-se no espelho nos dias (e até meses) do pós-parto é mergulhar no vale da estranheza. Você lembra do seu corpo antes, se acostumou com o corpo de gestante, mas este que você vê diante de si não é uma coisa, nem outra.
É um corpo não grávido, mas que ainda tem uma barriga (molenga por sinal) que está vazia, os seios ficam enormes, os demais músculos estão flácidos, a forma corporal que você conhecia há anos se alterou completamente. É estranhíssimo.
No puerpério enfrentamos esse deserto que eu chamo de “nem lá, nem cá”. Nada na sua vida, incluindo você, se parecem com o antes, ao mesmo tempo que não se sabe em quem você está se tornando. Está tudo uma bagunça.
É por essa razão que pode ser difícil se reconhecer olhando-se no espelho, somando as olheiras e o inchaço pós soro, parece mesmo que te substituíram na maternidade.
Me recordo que quando estava grávida uma amiga me contar de uma crença popular em que cobriam-se todos os espelhos da casa, após a mulher ganhar bebê. Durante meu puerpério eu entendi bem o porquê, nesse começo é melhor não se olhar muito mesmo. É sério! (risos)
A questão é que é um exercício de paciência aguardar que a mulher que você está se tornando - nas experiências com o seu bebê, que está se esforçando tanto, aprendendo todos os dias, se sacrificando, e se realizando (há muitas realizações na maternidade também) - dê o ar da graça. Te juro que ela logo vai aparecer.
E torço de todo o coração, que sobrevivendo à essas esquisitices todas, você olhe no espelho e reconheça naquela imagem, a mulher forte que é.
Nenhum dos itens acima, é importante te dizer, te descredibiliza como mãe. Maternidade é um desafio enorme, do qual entramos sem nada saber em que o começo pode ser muito diferente do que tínhamos em nosso imaginário, construído através da mídia em geral. Mas, melhora com o tempo, pois é com o tempo que o vínculo mãe e bebê se constrói e fortalece.
- Cena da série “Sessão de Terapia”, 3ª temporada, personagem Manu
Mulher e mãe que chegou até aqui, se recorda de alguma esquisitice que eu não mencionei? Me conta nos comentários!
Que importante te ler, Thamires. Minha experiência de puerpério foi um tanto diferente e sou muito feliz por ter conseguido acolher esse corpo não mais grávido, flácido, diferente de todos os corpos que já tinha tido. Acho que nesse encarnação já vivi a minha cota de desamor corporal quando era uma jovem adulta com distúrbio de imagem e simplesmente não tolerava me olhar no espelho.
Super interessante isso que você trouxe de revivermos nossa experiência enquanto bebê. Não sabia e achei incrível - muito a refletir.
Das minhas esquisitices acho que era a fome sobrenatural. Acordava umas duas vezes na madrugada só pra comer. Hahaha